Encontro de Escolas de Magistratura França-Brasil
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Horário
30 de janeiro de 2024 19:50 - 19:50
Detalhes do evento
O Primeiro Encontro de Escolas de Magistratura França-Brasil, realizado em Bordeaux, na França, foi marcado pelo diálogo sobre a capacitação dos magistrados, os desafios e rumos
Detalhes do evento
O Primeiro Encontro de Escolas de Magistratura França-Brasil, realizado em Bordeaux, na França, foi marcado pelo diálogo sobre a capacitação dos magistrados, os desafios e rumos nesta seara. Renomados magistrados, juristas e acadêmicos de ambos os países debateram, entre os dias 28 e 31 de agosto, a “Formação de magistrados e a Justiça digital”.
O evento integra o Ciclo de Estudos Internacionais de Direito Comparado, iniciativa do Instituto Justiça e Cidadania, desta vez promovida em parceria com a Associação Camard da Universidade Paris Panthéon-Assas, com o apoio da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Brasil (Enfam) e da instituição anfitriã, a Escola Nacional de Magistratura da França.
Acerca do papel da Enfam na era da digitalização, o Diretor-Geral da Escola e Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell Marques afirmou que é preciso universalizar a formação e a atualização profissional de juízes. O ministro apresentou o contexto histórico de desenvolvimento das escolas nacionais e apontou alguns pontos de aperfeiçoamento já mapeados e alvo de debates atualmente, como a preocupante judicialização de casos no Brasil.
“O STJ julgou no ano passado 582 mil processos, dos 430 mil processos que recebeu naqueles 12 meses. Isso dá a dimensão das necessidades de base na formação de magistrados. É importante que haja o contato do diretor-geral com as turmas novas de juízes para tentar incutir neles a cultura da disciplina judiciária”, afirmou Campbell Marques.
Outro fator que não passa despercebido no Brasil e no mundo, de acordo com ele, é a crise de representatividade. Neste sentido, segundo o ministro, a escolha brasileira foi a de colocar o Judiciário como protagonista da solução dessa crise; agora, no entanto, seria a hora do recolhimento: “O momento agora é de fazer com que o Judiciário se recolha um pouco em sua posição, para que a classe política dê soluções aos problemas nacionais. Os juízes não foram preparados para essa finalidade e isso impõe um risco muito grande de confiabilidade do Poder Judiciário”.
Numa perspectiva de melhora da política judiciária no Brasil, Campbell Marques citou como exemplo a matriz de formação de magistrados, como acontece na França, e cursos de formação continuada para fins de promoção, de forma que a avaliação do magistrado que deseja se habilitar a ascender na carreira passe por determinados cursos na Escola Nacional.
Desafios da Escola francesa – O professor Gregory Kalfeche, catedrático de Direito Público na Universidade de Toulouse I, falou sobre os desafios diante da crise da democracia representativa. Para ele, o Direito Público está no centro desta questão e pode ajudar a dar transparência da ação pública. “O essencial é a participação do público. Na decisão administrativa, o Direito francês e europeu vão reforçar o lugar dos cidadãos nas tomadas de decisões. Então temos que fazer coisas para que os cidadãos participem”, explicou Kalfeche.
O professor considera importante o movimento adotado na Europa para promover a implementação de uma lei especial de procedimentos administrativos, que basicamente estabelece como a Administração Pública se relaciona com o cidadão. Kalfeche explicou que a França começou a trabalhar o chamado “Código das relações entre o público e o Estado”, que prevê a forma como serão feitos os pedidos ao cidadão, assim como ele será informado, tudo com muita publicidade e pedagogia.
Experiência – Em sua participação, o Ministro João Otávio de Noronha explicou a composição do STJ e a importância da experiência prévia do profissional que vai atuar na magistratura, seja oriundo da advocacia ou do Ministério Público. De acordo com o ministro, as contribuições diversas ajudam a “captar, de um modo mais direto, o sentimento social, que o magistrado tem que levar em conta, embora deva ter independência”.
“Uma nação que tem a Justiça forte é aquela que tem um juiz blindado, protegido das influências midiáticas e sociais. O juiz precisa ter essa independência para poder exercer com grandeza a judicatura e, consequentemente, fazer prevalecer a ordem de julgamento”, afirmou Noronha.
A representatividade da Justiça e o perfil dos juízes também foram temas abordados pelo professor de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Flavio Galdino, que apresentou um panorama da realidade brasileira. Galdino citou o número de advogados, que ultrapassa 1,4 milhão de inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, e também o elevado número de processos em tramitação no Judiciário brasileiro – cerca de 81 milhões, segundo o relatório “Justiça em Números 2023”.
“De modo geral, nossa formação é levada ao litígio e não ao uso de técnicas alternativas ou outras providências, que evitem ou solvam os litígios antes deles serem judicializados”, afirmou o professor, acrescentando que o número de magistrados é baixo diante de tantos processos.
Em números – O professor Galdino rebateu ainda alguns dados que considera equivocados, como a premissa de que a magistratura passa por um processo de juvenilização, em que os juízes seriam muito jovens, e a de que o juiz brasileiro não tem uma formação consistente, porque estudaria para o concurso quando muito jovem e pararia de estudar depois de ingressar na magistratura.
“As estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) atualmente dão conta de que mais de 50% dos juízes brasileiros têm mais de 45 anos e apenas 10% têm menos de 35, o que significa que os juízes brasileiro têm, comparativamente, a mesma média de idade de outros países. (…) Os dados apontam que 7% dos juízes brasileiros são pós-graduados. Na Justiça Federal, 41% têm mestrado. Na mesma pesquisa, 45% de magistrados afirmaram participar de atividades de capacitação. Essas informações parecem indicar que os magistrados são experientes, preparados, têm boa formação e continuam se formando”, disse Galdino.
O professor apontou ainda para o problema das diferenças regionais, na medida em que a formação dos magistrados do Sul e do Sudeste não é a mesma vista nos estados das regiões Nordeste e Norte. “Daí a importância da atuação da Enfam para uniformizar o acesso e a formação continuada dos magistrados que não gozam das mesmas condições. Para ter um padrão internacional, o Brasil precisaria duplicar o número de magistrados em alguns anos, o que parece realmente um desafio grande”, concluiu.